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domingo, 1 de setembro de 2013

A escola precisa ensinar.

Nessa entrevista, o professor e filósofo Ricardo Yepes Stork fala sobre a importância da escola ensinar os alunos a pensar. Ricardo Yepes Stork (1953-1996) nasceu em Madrid, era docente da Universidade de Navarra, ensaísta e filósofo brilhante, autor de vários livros de Filosofia e Antropologia.
O professor Leonardo Pólo comentou há algum tempo que uma das características de nosso tempo é a reduzida atividade intelectual, especialmente na juventude. A atividade de pensar continua sendo desprezada?

Em boa parte, eu acredito que sim. Em alguns aspectos isso ainda ficou pior. Um dos grandes males de nossa sociedade é que vivemos muito depressa, e não temos tempo de observar o que acontece em nosso redor, para a partir daí formarmos nossas opiniões. Os pensadores antigos sempre insistiram que o começo da sabedoria é o ¨assombro¨, o maravilhamento diante das coisas que acontecem no mundo, e que nos levam a nos encontrarmos com a verdade. Maravilhar-se é perguntar-se diante de um fato novo: como é possível que isso aconteça? E depois buscar intelectualmente a explicação do fato, seja ele bom ou ruim. A cada instante a TV nos mostra coisas – notícias, filmes, comerciais – que são muito pouco humanos. Assistimos passivamente, e mal notamos, porque nos acostumamos a isso como se fosse o normal. Não paramos para pensar. Uma tarefa urgente dos pais e das escolas é chamar a atenção para isso, e estimular um sadio espírito de rebeldia diante do ruim e do feio, e de entusiasmo admirativo diante do bom e do belo. Nunca de mera atonia conformista.

Por outro lado, esse mesmo jovem que fica abobalhado diante da TV, demonstra muitas vezes uma atitude hipercrítica quando lhe falamos de valores e de virtudes: todos são postos em dúvida, relativizados, ou atirados para o baú das velharias...

É verdade. Isso sucede porque nesses assuntos se costuma julgar apenas por slogans, sem espírito crítico, a partir de uma postura muito individualista: "eu não quero depender de ninguém para formar minhas opiniões. Os outros não têm nada que me dizer". Esse orgulho reduz a humanidade a uma sucessão de Náufragos, cada um isolado em sua ilha, sem nenhuma comunicação com os demais. Esquecem que a verdade e o conhecimento se estimulam e se somam, que a ciência avança, que a técnica progride. Esquecem que a verdade é comunicável, porque há valores estáveis, firmes, perenes.

É a ditadura do relativismo...

O relativismo quer nos convencer de que cada um de nos fabrica suas próprias verdades, e com isso nos impede de ver a maravilha de que as verdades existem, e que nós homens as vamos descobrindo ao longo de nossa formação, e com isso nos tornando melhores. Incita cada homem a dizer que o que é válido para mim não o é para os demais. E isso se estende a todos os terrenos, desde o comportamento ético até as crenças religiosas. Por isso, o relativismo não soluciona os problemas humanos, mas apenas os complica ainda mais. Quando pretende romper com as dependências, o homem fica sozinho, tanto na teoria quanto na prática. O que sobra é o cansaço e a desorientação.

E onde isso leva?

O relativismo desemboca no permissivismo. Tudo passa a ser moralmente possível, bom ou indiferente. Não se admite dizer: ¨isto é moralmente bom, e isto é moralmente mau¨. Mas o permissivismo se gasta. Quando experimentou tudo, sem nenhum freio ético, o que sobra é a desorientação, o fastio, a experiência da frustração. Há um desejo de volta ao lar, mas a vida na sociedade urbana transcorre de modo tão acelerado... Não há tempo para refletir!

E entretanto, pensar é necessário. Mais ainda que navegar e que viver... Mas, voltando à questão inicial, como ensinar a pensar?

Para ensinar a pensar a primeira coisa necessária é – evidentemente – ter pensado, ter-se submetido à disciplina do perscrutar e entender o que as coisas são. O primeiro de tudo é renunciar ao slogan. As pessoas se conformam com poucas frases, e muitas imagens. Renuncia-se a explicar as coisas: apenas se mostram. A cultura da imagem não necessita de argumentação para impactar o público. É tal a força das imagens que mostrá-las já é suficiente: ver um terremoto ou uma inundação pela televisão é quase como ter estado lá. Nesse contexto não necessitamos comentários. Discorrer, pensar, torna-se assim cada vez menos necessário. Por isso as explicações do que vemos são sumamente simples; o mais importante é o contato direto e imediato com a notícia. Isso afasta as pessoas do hábito de argumentar e discorrer, e por isso se vai dando cada vez menos importância às razões. O velho costume da conversa, do bate-papo, por exemplo, está se perdendo, porque as pessoas falam muito menos: preferem os vídeos ou a televisão. Quando se deixa de ler e se deixa de falar, se pensa cada vez menos. Hoje pouca gente gosta de pensar. Os argumentos abstratos não estão em moda: bastam quatro explicações convencionais, que a mídia repete até a saciedade.

E quem nos garante que o que a mídia mostra é verdadeiro?

Exatamente. Quando temos o hábito de pensar, nos perguntamos isso. Quando não temos, nos contentamos com a imagem e com o slogan, e entramos para o imenso rebanho dos conformistas. Isso pode dar a impressão de que sou contra a imagem, o que não é verdade. Estou sim contra as atitudes acríticas, contra o olhar abobalhado.

Que mais você aconselha para ensinar a pensar aos meninos e aos jovens, aos filhos e aos alunos?

Despertar neles o amor por ler, e não apenas ver imagens. Não se trata – insisto – de renunciar às imagens, mas de fomentar o gosto pela leitura. É preciso voltar aos clássicos da literatura, e para isso não é necessário ter quarenta anos. Os jovens, que tem uma sensibilidade muito aguçada, são os que podem captar de modo mais veemente os valores humanos que há nos clássicos. O problema está em o texto literário ser ás vezes estranho ou pouco compreensível, afugentando os jovens leitores. Mas essa é precisamente a tarefa a realizar: fazer a aproximação entre os mundos dos clássicos e o nosso mundo. Não é difícil.

Depois, é preciso ensinar a não-conformidade com explicações convencionais ou com chavões. Nisso a linguagem tem boa parte da culpa. Quando se lê pouco e se pensa pouco também se fala mal, com escasso número de palavras. Quando falta vocabulário, as explicações se tornam pobres; tudo é "falô", "só", "massa", "disse"... São modas ou modos de falar, mas podem esconder um universo mental estreito, reduzido a quatro adjetivos vazios. É preciso enriquecer a linguagem, é preciso fomentar o diálogo, o exercício mental de raciocinar, de defender uma causa, de ter argumentos para as próprias decisões, e de não fazer apenas o que os outros fazem. A conversa, a tertúlia, o debate sereno sobre um tema de interesse, são exercícios que se podem fazer de alguma forma em família, e estimulam o raciocínio, a capacidade racional do homem.

Há uma agressividade contra essa capacidade de pensar: é a aceleração, a pressa, o mundo audiovisual, as modas, a má persuasão publicitária... Tudo isso pôe em perigo a faculdade que tem o homem de reger-se por seu pensamento, que é sua mais alta capacidade, aquilo que ele tem de melhor, que nunca se esgota nem enfastia. Sempre se pode continuar pensando e descobrindo novas verdades.

A necessidade de ler é clara. Mas hoje se publica mais do que nunca. Como e o que escolher?

É verdade. Há uma autêntica inflação de publicações, e isso requer um critério de seleção. Precisamos ter em conta que a publicidade engana. Isso significa que sou contra a publicidade? Não. Sou contra os abusos da publicidade, contra seu poder irrestrito. Às vezes, por exemplo, a publicidade nos apresenta um livro como se fosse uma obra prima, quando não é mais que algo de qualidade mediana e discutível. Conseguir uma boa informação bibliográfica é imprescindível para não cometer erros. É preciso ter em conta que o vendedor apresenta seu produto como o melhor do mundo, e que pode não ser assim. Pode haver mais aparência que conteúdo.
O mais prático é buscar aquilo que o tempo se encarregou de consagrar: são as obras que ficam, os clássicos. Mas um clássico não é apenas um autor do século XVII ou XIX. O século XX também está repleto de clássicos de altíssima qualidade. São atualíssimos. São os mestres desta perplexa Humanidade. É preciso redescobri-los.